Na última quinta-feira, 25 de maio, foi realizado na FURG um significativo encontro cultural, organizado pelos estudantes africanos da universidade. A atividade, intitulada “Roda de Conversas e Troca de Experiências entre Estudantes Africanos e a Comunidade Acadêmica da FURG”, trouxe à tona discussões ricas e amplas sobre a África e seu papel no cenário mundial.

Em apoio à iniciativa, o professor Milton Asmus, Secretário de Relações Internacionais e representante da Reitoria da Universidade, compareceu ao evento, reiterando o compromisso da FURG com a diversidade e a interculturalidade.

Foram responsáveis pelas atividades do evento, os estudantes: José Marcelino, Luís Ausse, Timóteo Capitão, Armando, Dahel, Salamão Massingue, Luís, Vítor, Ivanilton, José Marcelino, Águeda, Anaela e Navinésia. 

Hoje, dia 26 de maio, tivemos a oportunidade de conversar com Salomão António Massingue, estudante que idealizou o evento. Ele compartilhou conosco um pouco sobre o processo de construção da Roda de Conversas.

 

O que despertou seu interesse em organizar esse evento?

"Bem, sempre tive o desejo de organizar um evento para celebrar a África. De fato, nós já fizemos algo semelhante no passado, mas foi tudo muito informal. Reunimos colegas africanos, que eram poucos na época, e tiramos fotos com as bandeiras de nossos países para demonstrar ao mundo que, apesar de estarmos longe da África, ainda carregamos a África em nossos corações, mesmo estando no Brasil.

Recordo-me que éramos muito poucos, não mais que cinco membros. Todos estavam ocupados com suas tarefas. Mas este ano, por conta de uma parceria estabelecida, percebi que muitos estudantes africanos começaram a se unir a nós. Agora, acredito que somamos cerca de 17 pessoas, incluindo estudantes de graduação. 

Com essa representatividade significativa, em relação ao histórico dos africanos, decidimos organizar um evento. Fomos interpelados por muitos estudantes interessados em aprender mais sobre a África. Alguns deles, infelizmente, podem ter preconceitos, mas acreditamos que isso vem da ignorância, e esperamos educá-los.

Há entusiastas da África que sabem muito pouco sobre o continente e gostariam de aprender mais. Por isso, pensamos em organizar um evento para fornecer uma visão geral do que sabemos. No entanto, este não é um esforço isolado. Convidei todos a formar um grupo, uma comunidade de estudantes africanos que, esperamos, se tornará uma organização mais formalizada no futuro. O objetivo é contribuir para a universidade e a cidade do Rio Grande com o que pudermos, com base em nossas experiências e conhecimentos.

A organização do evento acabou recaindo sobre apenas três de nós, que conseguiram terminar os preparativos. Ao planejar o evento, decidimos não só realizar palestras, mas também compartilhar experiências culturais, como a gastronomia e a moda de nossos países. Infelizmente, devido a compromissos e estudos, não conseguimos realizar todas as atividades planejadas, mas conseguimos apresentar a gastronomia de nossos países, permitindo aos participantes uma "viagem simbólica" à cultura africana através da comida."

 

Qual foi o motivo que levou vocês a escolherem o dia 25 de maio como data para o evento?

 

"A data escolhida para o evento foi muito especial: 25 de maio representa o Dia Internacional da África. Nesse dia, em 1963, os líderes dos estados africanos independentes reuniram-se em Adis Abeba, capital da Etiópia, para a criação da Organização da Unidade Africana, que serviu como voz para os países independentes e como ferramenta para auxiliar os países que ainda buscavam independência.

No nosso evento, abordamos temas variados, incluindo a história da África pré-colonial, o surgimento dos estados africanos após a independência, o processo de descolonização, os líderes de alguns países, os desafios da África no século 21, e as perspectivas para um futuro mais desenvolvido e próspero para a África. Nosso objetivo era não apenas discutir de forma romantizada, mas também fazer uma crítica sobre se os objetivos das lutas pela independência estão sendo cumpridos e como vemos o futuro do pan-africanismo.

Abordamos temas relacionados a alguns países e destacamos os fatores históricos que contribuíram para seus processos de independência. Também discutimos os desafios da África no século 21, como pensamos sobre a África em relação aos problemas que os povos enfrentam hoje, aliados ao espírito das lutas pela independência. 

Não foi apenas uma discussão romantizada, mas também uma crítica. Quase seis décadas após as independências, questionamos se os objetivos das lutas de libertação de muitos países estão sendo cumpridos. Será que o espírito do pan-africanismo está sendo alcançado, considerando os retrocessos e os desafios? Quais são as perspectivas para uma África mais desenvolvida, próspera e verdadeiramente livre?

A liberdade pode ser discutida sob vários prismas. Se formos à essência da questão, podemos chegar à conclusão de que alcançamos a liberdade política, mas ainda somos reféns de vários jogos internos e externos que acabam por questionar a liberdade em sua perspectiva mais ampla. Esta é uma visão pessoal, é claro, e alguns colegas podem concordar e outros não. O importante é que este é um convite para uma reflexão profunda sobre a África - sua cultura, povos, história, processo de descolonização e desafios.

Nosso objetivo era trazer à tona essas questões e combater os preconceitos que muitas pessoas possuem. Em relação à pergunta sobre o que significa para nós e para nossas famílias a oportunidade de estudar no exterior, para mim, essa oportunidade representa uma forma de liberdade. Nos nossos países, é muito difícil fazer pós-graduação porque é caro. Aqui, temos bolsas e muitos vêm por meio de convênios, e eu preciso reconhecer o sistema educacional brasileiro por isso.

Essa oportunidade representa a realização de um sonho não só nosso, mas também de nossas famílias. Ao obter o doutorado e melhorar a vida financeira, muitos de nós, que vêm de famílias socialmente desfavorecidas, conseguimos ajudar nossos entes queridos e até nossos países."

 

O que a universidade pode fazer para acolher melhor a comunidade africana e oferecer algum tipo de suporte cultural? O que você imagina que a universidade poderia oferecer que facilitaria sua permanência aqui?

 

"Fiquei muito feliz ao ver a presença de alguns professores em nosso evento. Essa decisão de tornar esse evento um evento regular já é um passo na direção certa. Dessa forma, os africanos podem se sentir mais inseridos no ambiente acadêmico e cultural. Precisamos criar espaços onde possamos debater e compartilhar conhecimentos efetivamente.

Eu fui bem recebido aqui, mas sinto que falta a oportunidade de estar presente em conversas e discussões. Eu acredito que não devemos apenas esperar que as coisas aconteçam, mas também devemos dar um passo adiante. Foi o que fizemos ontem, quando organizamos o evento. Mesmo que tenha sido um pouco de última hora, foi muito bom."